“O sertão é do tamanho do mundo" - XXV Semana Roseana - 25 anos de travessia pela obra de Guimarães Rosa

8 comentário(s)

Em uma cidade pequenina, no interior do estado de Minas Gerais, tive a experiência literária mais gratificante em meus quase vinte e cinco anos de existência.
Esta cidadezinha, chamada Cordisburgo, é terra natal de um dos escritores mais extraordinários da literatura brasileira, João Guimarães Rosa.
 



Um fato interessante a respeito dessa cidade reside em seu nome, cuja etimologia remete ao latim e ao alemão, significando “cidade do coração”. Por seu tamanho diminuto, é exatamente como você se sente quando chega a Cordisburgo, no coração de Minas Gerais, acolhida com um carinho imensurável.
Por se tratar da cidade de Guimarães Rosa, é natural que haja várias referências ao autor, como pude conferir no Museu-casa Guimarães Rosa, uma das casas habitadas pelo autor e que abriga uma série de objetos interessantes.
Eu já havia visitado a cidade anteriormente, e por este motivo havia percebido que muito do que acontecia ali girava em torno de Guimarães. Contudo, foi apenas nesta visita que realizei na semana passada, que percebi como uma cidade inteira pode respirar poesia e literatura de uma maneira intensa e contagiante.
O porquê, eu já explico: há vinte e cinco anos, no mês de julho, comemora-se a chamada Semana Roseana, um evento literário que homenageia este grande artífice das palavras. Este ano, o evento teve por tema “25 anos de travessia pela obra de Rosa”.

Para quem conhece a literatura de Guimarães Rosa, sabe bem que o autor fala bastante a respeito de travessia, mostrando-nos que, muitas vezes, a travessia do caminho costuma ser mais importante que o lugar de onde você vem ou o local para onde você vai.
João Guimarães Rosa (1908-1967) foi, além de um escritor extraordinário, o mestre da invenção das palavras, médico e diplomata. Rosa conhecia mais de vinte línguas em seus mais variados aspectos gramática, vocabulário, etc. Por sua profissão de diplomata, viajara a diversas partes do mundo, o que o fez um homem extremamente culto e inteligente.
Este gênio das palavras, embora conhecesse o mundo, como bem se sabe, preferiu falar sobre o local de onde veio: o sertão de Minas Gerais. Sua escrita era repleta de regionalismos, o que permitia ao leitor mais imaginativo conceber as palavras de Guimarães Rosa como uma interessante história narrada por um mineiro. Nada como escutar um bom “causo” enquanto toma um cafezinho e come um pão de queijo bem gostoso à mesa da cozinha de uma família mineira bem acolhedora.
Entre suas obras mais conhecidas, encontram-se “Sagarana” (1946), “Corpo de Baile” (1956), “Primeiras estórias” (1962), “Ave, Palavra” (1970) e, obviamente, sua obra prima, “Grande sertão: veredas” (1956).


Pois a Semana Roseana é sempre um prato cheio para quem deseja saber mais sobre Guimarães Rosa. Há oficinas durante o período da tarde, apresentações musicais à noitinha em frente ao Museu-casa Guimarães Rosa, tudo em um clima bem sertanejo, e com um friozinho bem gostoso, além, é claro, da visita ao Museu.


Mas o que ganhou mesmo o meu coração foi a Caminhada Eco-literária.
Era preciso acordar bem cedinho. Às sete horas era servido um café-da-manhã delicioso, com todo tipo de quitute da cozinha mineira, acompanhado, é claro, pelo cafezinho. Também podíamos tomar sucos naturais ou um leitinho queimado com canela.
Terminada a refeição matinal, os Miguilins – contadores de histórias reuniram o grupo de caminhantes para nos falar sobre a caminhada, nosso percurso e, logicamente, começar a nos encantar com canções.
Pegamos um ônibus e fomos até a Fazenda Serandi, o local onde se realizaria a nossa caminhada. O.K., vocês entenderam a parte ecológica da caminhada, mas em que lugar entra a literatura? Pois é aí que mora a parte interessante. Enquanto caminhávamos, fazíamos algumas paradas estratégicas, onde os contadores de histórias nos narravam um pedacinho de um dos contos de Guimarães Rosa.


O conto escolhido para este ano foi “O duelo” (in “Sagarana”, 1946). A caminhada era, portanto, a travessia que realizávamos para conhecer mais um pedacinho da história, como se houvesse sido apresentada a nós por capítulos. Não bastasse já ser maravilhosa a “contação” de histórias pelos Miguilins, ainda havia sempre uma música que acompanhava aquele trecho da história. Música, aliás, composta especialmente para a caminhada.


Não há como terminar a caminhada e não se sentir emocionada. É simplesmente mágico o modo como os contadores de histórias nos envolvem e como o cenário da fazenda nos transporta para tão perto daquela história que estamos ouvindo...
Depois da caminhada, todos os caminhantes famintos dirigem-se ao restaurante Chero’s, que abriga o melhor da comida mineira, com uma vista de tirar o fôlego. E para os mais animados, ainda é possível visitar a Gruta do Maquiné, um dos pontos turísticos da cidade.


Sinceramente, não há cidadezinha que tenha me cativado mais do que essa, a terra de Guimarães Rosa. Aviso-lhe, senhora ou senhor, guarde os dias da próxima Semana Roseana em seu calendário, porque todo mundo merece respirar poesia e conhecer o tamanho desse sertão mineiro.

Eis um trecho de “O duelo”, de Guimarães Rosa:

“Todavia, com o bom, o legítimo capiau, quanto maior é a raiva tanto melhor e com mais calma raciocina, Turíbio todo dali se afastou mais macio ainda do que tinha chegado, e foi cozinhar o seu ódio branco em panela de água fria.
E fez bem, porque então lhe aconteceu o que em tais circunstâncias acontece as criaturas humanas, a 19° de latitude S. e a 44° de longitude O.: meia dúzia de passos e todo o mau-humor se deitava num estado de alívio, mesmo de satisfação. Respirava fundo e sua cabeça trabalhava com gosto, compondo urdidos planos de vingança.”

Abraço e até a próxima!!

Daniela de Souto Inocêncio, tem 23 anos, formada em Letras – Português, mora em Brasília. Deslumbrada por livros e música, fez dos primeiros sua profissão e primeiro amor e, da segunda, sua paixão. 

8 comentários:

Anônimo disse...

Adorei o post, sou cordisburguense e sei bem o que você quis demonstrar nesse texto, e compreendo todo o encantamento que essa cidade provoca nas pessoas.
"... Cordisburgo era pequenina terra sertaneja, trás montanhas, no meio de Minas Gerais. Só quase lugar, mas tão de repente bonito..."

Carla disse...

Que delícia de passeio! Visitar lugares que têm história é tão bom... Adorei, de verdade!

Beijos, Entre Aspas

Ludymila disse...

Oi meu anjo, tinha muito tempo que nao passava pelo seu blog, me perdoa mas prometo estar mais presente a partir de agora, nao lei nada do Grenade escritor João Guimarães Rosa. (tenho que mudar isso) Sobre a cidade Madre mia es preciosa. Da proxima vez que eu for ao Brasil faço questao de visitarla. beijos

thaila oliveira disse...

não conhecia esse evento, parece bem legal e tras a tona a cultura nordestina!
Guimarães Rosa é um gênio!
http://felicidadeemlivros.blogspot.com/

Tullia Maria disse...

Que viagem gostosa, Dani! Através das suas palavras, pude me sentir um pouquinho em Cordisburgo...
Comida boa, gente do interior, caminhada eco-literária!! Hum...
Ótimo post!!

Thay Gomez disse...

Lindo post *.*
Acabei contagiada por Guimarães graças a minha amiga Nanda ^^ vou recomendar!
Cheiro, meninas! Beijão, Rapha =**

This

Unknown disse...

Perfeitooooooo! Amo Guimarães Rosa ♥

Unknown disse...

PERFEITO!
Amo Guimarães ♥

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